As crianças não aprendem quando gritamos com elas

Assim como quem levanta a voz não tem razão, quem grita com crianças não chegará a lado nenhum. Gritar pode ter duas origens: a perda de paciência ou porque acreditamos que gera autoridade e disciplina. Em ambos os casos, gritar é inútil. Explicamos (de forma científica) porque gritar é prejudicial para o desenvolvimento da criança.

Falamos e as crianças não ouvem essa é uma ideia que está generalizada. É comum falar alto e gritar com crianças. Pais gritam, avós gritam, professores gritam, porém, todos queremos crianças que não gritem.  Se dissermos à criança «Para de gritar», talvez, também, estejamos a levantar a voz, ora se a criança, por natureza, imita os nossos comportamentos como podemos exigir que falem baixo se nós não o fazemos. Este é o primeiro ponto que temos de ganhar consciência, grito gera grito e o resultado é catastrófico, choros, birras e muito stress envolvido. A boa notícia é que podemos fazer diferente.  

Todo o tempo que passamos com as crianças envolve comunicar. Desde o silêncio, a postura corporal, as palavras, os gestos e os sinais, tudo isso é comunicação e passa uma mensagem para as crianças. Mas por que gritamos tanto? Segundo, a cientista Maria Montessori, o problema da atenção é o maior problema da educação de crianças pequenas. Antes de mais, precisamos de entender que crianças estão a aprender a ouvir, da mesma forma que estão a aprender a fazer todas as outras coisas e, por isso, dar o exemplo é essencial. A comunicação é crucial para o desenvolvimento de afetos, para manter relacionamentos saudáveis e sustentar a socialização. A forma como comunicamos pode gerar conflitos, mas também pode ser conciliadora. Mais à frente, neste texto, iremos ver como existem formas de falar com as crianças sem gritos e que garantam o bem-estar e expressam respeito e reverência.

Os gritos congelam o cérebro

O cérebro da criança não aprende quando gritam com ela, este congela. Podemos até pensar que a criança reage aos gritos porque “aprende a lição”, mas não é o caso. A criança reage porque isso a magoa e porque fica com medo. Mas, ela não aprende e o seu cérebro congela. Para além de todas as razões por que os gritos devem ser eliminados, existem várias explicações científicas que esperamos vos ajude a decidir a eliminar os gritos da vossa vida com as crianças.

Quatro razões que explicam a ineficácia do gritos

1. O cérebro aprende melhor num ambiente seguro – E não são só as crianças. Diversos estudos demonstraram que os adultos também trabalham e têm melhor desempenho num ambiente “amigável”, onde existe respeito e sem gritos.

2. Ao gritar, a emoção do medo é ativada – O medo bloqueia uma área do cérebro chamada de amígdala que impede a passagem de novas informações. A amígdala é responsável, entre outras coisas, pela regulação das emoções. Quando a dita amígdala deteta um perigo (como gritar) ativa uma resposta que nos empurra para nos afastarmos da ameaça (fugimos, lutamos, fingimos de mortos). Assim, ao deparar-se com gritos, o cérebro ativa uma espécie de ‘modo de sobrevivência’. A área do sistema límbico, também conhecido por cérebro emocional, onde está localizada a amígdala, tem uma espécie de ‘escudo’ para se proteger dos gritos.

3. Gritar afeta diretamente a amígdala – A amígdala é como uma ‘sentinela das emoções’ e é responsável por ativar em nós a vigilância ou o bom senso, ou dar a ordem de ‘fuga’ em caso de perigo. Faz isso através de neurotransmissores que ativam substâncias como dopamina, adrenalina, glicocorticoides.

4. Gritar irá gerar memórias negativas na memória – A amígdala também é responsável por armazenar memórias relacionadas com as emoções. E de acordo com a neurociência, a amígdala desempenha um papel importante na aprendizagem durante a infância. Contudo, Isso não significa que não podemos gritar. Podemos fazer isso, sim, como fuga de uma situação tensa, da angústia ou como alívio. Mas não como arma educacional. Não na frente das crianças. Podemos abrir a janela e gritar. Podemos escalar uma montanha e gritar. Libertamos medos, e os medos libertam raiva e stress acumulados. Na frente dos seus filhos, respire fundo, conte até 10 e troque o grito por algo mais eficaz e instrutivo.

ESTRATÉGIAS PARA FALAR COM AS CRIANÇAS SEM GRITOS

Quando formos capazes de nos abaixar, falar e olhar nos olhos das crianças, falar devagar e claramente, dizer tudo o que queremos que a criança entenda, sem gritos, mudamos a nossa realidade. Que sejamos capazes de uma comunicação mais verdadeira, completa, transformadora e sem gritos:

1.Falar devagar. Falar devagar dá tempo para que a criança escute, registe, compreenda, e entre em ação. Se pede para à criança se sentar, mas não lhe dá tempo de entender o que você quer e a seguir diz repetidamente “senta-te, senta-te” isso só vai levar a uma “birra”, quando na verdade fomos nós que não demos tempo à criança. Agora, se pedirmos para a criança se sentar de uma forma calma, ela vai ouvir e compreender. Claro que isto não garante tudo, mas é uma ajuda.

2. Ser objetivo – A criança não tem capacidade de ouvir muitas coisas e ao mesmo tempo e compreender tudo aquilo que lhe é dito. 

Exemplo: “despacha-te calça os sapatos, precisamos de ir rápido porque senão vamos chegar atrasados e se nos atrasarmos vamos apanhar muito trânsito no caminho, calça-te”. É muita informação!

Podemos simplesmente dizer: “Calça-te”. Explicações muito longas para crianças muito pequenas (até 4, 5 anos) não funcionam.

3. Falar baixo. Quando falamos alto, e cada vez mais alto, conforme a criança não nos ouve, começamos a ficar agitados e isso só dificulta a compreensão. Conforme falamos mais e mais alto, na esperança que a criança obedeça, isso só faz a criança sentir-se ansiosa e assustada. Nós adultos quando estamos ansiosos e assustados também temos dificuldade de compreensão. A agitação, a ansiedade e medo não ajudam ninguém a entender nada. Falar bem, devagar e baixo são bons princípios para que as crianças nos oiçam.

4. Educação emocional – Uma criança capaz de gerir as suas emoções em cada situação é uma criança feliz, capaz de lidar com situações de stress ou conflito. É importante que a criança que possa expressar as suas emoções (atenção que emoções é diferente de comportamentos).

5. Conquiste o respeito das crianças – Não precisa gritar para conquistar o respeito das crianças. Mostre interesse genuíno por aquilo que a criança diz e faz. Trate as crianças com respeito, da mesma forma que você gostaria de ser tratado. Evite falar com elas de maneira condescendente e escute atentamente quando estiverem falando.

6. Estabeleça Limites Claros: Defina limites e regras de maneira clara e firme. As crianças sentem-se mais seguras quando sabem o que é esperado delas. Limites bastam, mas sem gritos ou ameaças.

7.Crie mais empatia – Compreenda e valide os sentimentos das crianças. Mostre que entende as emoções delas. Dê nome à emoção. Exemplo: “Sei que estás muito zangado.”.

8.Usar linguagem positiva – Em vez de dizer à criança o que não deve fazer, podemos dizer-lhe através de linguagem positiva aquilo que pode fazer.

Em vez de: «Não corras» (aquilo que não deve fazer)

Podemos dizer: «Vamos caminhar para dentro» (aquilo que gostaríamos que ela fizesse).

9.Falar com tom e atitude respeitadores – O nosso tom de voz é uma forma de demonstrarmos aos nossos filhos que os respeitamos. Um tom queixoso, uma voz insegura, uma voz severa ou um tom ameaçador ou um tom baixo mas com raiva poderá distorcer a melhor das nossas intenções, e não demonstram à criança que a respeitamos.

10.Esperar que a criança termine a tarefa antes de lhe fazer um novo pedido Se uma criança está ocupada a fazer um puzzle e lhe dissermos para se preparar para ir embora, geralmente, ela não responde. Talvez pensemos: “Ela nunca ouve o que eu digo!” – mas coloque-se nessa situação. Por exemplo, se alguém o interromper enquanto está a responder a um e-mail ou a fazer alguma coisa de que gosta, se calhar também não gosta de ser interrompido. Deste modo, se queremos que a criança venha embora, podemos, sempre que possível, tentar esperar até que ela termine o que estiver a fazer ou então, informá-la, antes de ela começar a atividade, ou seja: “ Depois do puzzle temos mesmo de ir embora” ou “hoje temos de ir a sítio X queres mesmo começar a  fazer o puzzle?”.

11.Dar à criança tempo para processar – A criança pode demorar algum tempo a processar aquilo que dizemos.Podemos dizer-lhe para vestir o pijama e não obter resposta. Então, contamos lentamente até dez na nossa cabeça, não em voz alta. Isto é para nosso próprio benefício, para nos ajudar a esperar que a criança processe aquilo que lhe dissemos. Quando chego ao três ou ao quatro, já me teria repetido, e ao sete, já teria dito uma outra vez. Quando chego ao oito ou ao nove, é comum ver que a criança está a começar a reagir. Não é que ela não nos ouça, está somente a processar aquilo que dissemos. O tempo da criança é diferente do nosso.

Transformar gritos em sorrisos

A interação entre pais e filhos,  adultos e crianças no geral representam uma das formas mais ricas e complexas de comunicação, pois envolve múltiplos níveis de entendimento. O que gera por vezes em nós, adultos, fortes reações emocionais.Não gritar faz parte de uma aprendizagem que nós adultos temos de fazer para o bem da criança, mas também pelo nosso bem. O investigador Gabriel Salomão, sugere os seguintes passos para transformar gritos em sorrisos e, mais do que isso, desespero em esperança.

1. Análise

  • Analise o que o faz perder a calma
  • Analise qual é a emoção que sente antes de explodir
  • O que mais na sua vida causa essa emoção? Por que isso faz sentir-se assim?
  • Finalmente, tente descobrir por que perde a calma

2. Estudo

  • Leia, assista e converse sobre desenvolvimento infantil
  • Leia, assista e converse sobre emoções humanas
  • Leia, assista e converse sobre sofrimento e felicidade

3. Adote uma atitude

  • Não tente mudar tudo de uma vez
  • Respire, sorria e vá devagar
  • Separe dois ou três minutos por dia só para respirar, sem fazer nada
  • Quando não estiver irritada(o), observe a sua criança em paz
  • Tenha um local de refúgio – pode ser uma janela, uma divisão da casa

O que é urgente – não se deixe iludir, poucas coisas são mesmo urgentes, e quase nenhuma é mais importante que a sua felicidade e a dos seus filhos e a paz na sua casa

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2024 – Mara AlvesMãe, jornalista, consultora em Educação Montessori e autora do Montestory, o primeiro e único podcast jornalístico em português sobre Montessori.